terça-feira, 28 de julho de 2015

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Investigando um paciente com sibilo ou estridor

Depois do post “Como determinar a causa de um distúrbio ácido base?”, vieram falar comigo sobre a necessidade do médico recém formado saber o manejo frente a um paciente com queixa de sibilo e estridor. No momento eu pensei... “meu conhecimento sobre sibilo se resumia em asma”. Estridor?! Psshhh... Maaas como dizia o grande sábio: “a necessidade faz o homem” e por isso resolvi estudar sobre o tema e colocar o que aprendi aqui!
Boa diversão!

Antes de tudo, devemos saber o que significa cada coisa! Sibilo e estridor são sinais decorrentes por obstrução de algum segmento da via aérea. O sibilo é caracterizado por ser um som produzido, em qualquer altura da via aérea, durante a EXpiração enquanto o estridor ocorre durante a INspiração e é exclusiva da via aérea superior.


è Caso 1
HSN é um senhor de 32 anos, em bom estado geral, com queixa de sibilos ocasionais

Vago? Pois é. Fazer um diagnóstico diferencial para um paciente com sibilo, se não apresentar uma anamnese e exame físico adequado, será impossível! Por isso nós devemos sempre ter em mente suas principais causas para poder desenvolver da melhor forma possível a consulta. Abaixo as principais causas, relacionadas com suas respectivas estruturas anatômicas (Veja pensando no caso clínico!).



Voltando ao caso...

Sr. HSN está com sintomas brandos há dois anos, mas nunca achou necessário procurar um médico. No último mês relata “aperto no peito” e “respiração curta”, associados com o sibilo, enquanto faz atividade física ou durante a noite. Também relata ficar alguns dias sem sintomas. Nega tabagismo e qualquer doença vigente.
Refere ter tido asma quando criança sendo tratada com Teofilina. Estava sem sintomas quando, há dois anos, se mudou.

Analisando o caso: Sr HSN é um paciente em bom estado geral e sem comorbidades que apresenta uma dispneia recorrente associada com sensação de aperto no peito e sibilo. Das causas citadas na tabela anterior, podemos pensar como principal diagnóstico diferencial a asma. Outra possibilidade seria alguma disfunção de cordas vocais (movimentos paradoxais ou paralisia de cordas vocais). Sempre em pacientes que apresentem aperto no peito, mesmo que de forma inespecífica, devemos ter em mente alterações cardíacas.

Sr HSN ainda relata que sente esse desconforto quando está gripado e quando fica próximo de cachorros e gatos. Refere que quando há sibilo, o quadro é mais angustiante.
No exame físico: bom estado geral, sinais vitais e exame dos sistemas normais. Pico do fluxo expiratório de 550 l/min (87% do esperado)

E agora, galera, o que acham do caso? Mantemos as hipóteses? Antes de responder, vamos relembrar sobre asma.

·         Asma:
                É definido pelo NIH/NHLBI como “uma inflamação crônica da via aérea que em indivíduos suscetíveis, pode causar sibilo associado a desconforto respiratório. Esses episódios geram uma limitação, variável, do fluxo de ar que é reversível com tratamento ou espontaneamente.”.
                Todos nós sabemos que o paciente com asma apresenta alguma história de alergia associada com sibilos, aperto no peito e falta de ar. Mas isso não é tudo! Para termos uma anamnese mais específica, devemos questionar se há um período do dia com piora dos sintomas ou se os sintomas ocorrem no repouso. Por exemplo: paciente apenas com dispneia em repouso tem especificidade de 94% enquanto que, se a dispneia for noturna, preferencialmente, a especificidade pula para 98,6%!  Se o paciente apresentar Sibilos e dispneia ao repouso sua especificidade é de 99%!
Por ser uma condição recorrente e intermitente, o paciente pode apresentar períodos sem sintomas ou com sintomas, podendo ser de pequena ou grande intensidade. Pacientes que apresentam sintomas persistentes possuem uma doença mais severa e que necessita de um tratamento mais agressivo. Sendo assim, foi criada uma classificação para nortear qual a melhor conduta terapêutica para cada paciente e também para facilitar a identificação dos pacientes com maior risco de apresentar exacerbação.

Apesar dessa classificação existem formas atípicas de asma e por isso qualquer paciente com dispneia, sibilo, tosse e sensação de aperto no peito deve ser investigado quanto à história familiar ou qualquer informação que faça pensar em asma.
Exame complementar realmente eficaz no diagnóstico de asma é aquele que vá avaliar a função pulmonar. Os parâmetros mensurados são: VEF1 (volume de ar exalado no primeiro segundo); relação VEF1 com capacidade vital forçada; aumento de 200 mL do VEF1 após uso de broncodilatador.
Tratamento da asma engloba o controle do ambiente (fatores de exacerbação), farmacoterapia para evitar sintomas que interfiram nas atividades diárias e educação do paciente quanto ao correto uso dos fármacos e de buscar melhores hábitos de vida. Em relação aos fármacos, podemos usar corticoides inalatórios, beta 2 agonista de curta ou longa, antileucotrienos, teofilina e corticoide por via oral. Abaixo segue recomendação de como usá-los.
OBS: É o controle do sintoma que vai determinar a necessidade de avançar na etapa de tratamento!!

Bom galera... será que podemos fechar o diagnóstico?!

Sr. HSN apresenta uma história consistente de asma, mesmo tendo um fluxo expirado normal. Por isso, será feito teste terapêutico com beta agonista de curta duração caso ele sinta os sintomas ou 30 minutos antes de atividades físicas. Foi marcado retorno em 6 semanas.
No retorno o Sr. HSN relata ter tido uma piora do quadro após uma infecção de via aérea superior tendo que, desde então, usar a medicação SOS 4 vezes por semana. Nega sintomas noturnos. Pela história inicial associado com melhora clínica, o diagnóstico de asma foi definido. Foi prescrito um corticoide inalatório para tentar diminuir a necessidade em usar beta agonista de curta ação.

è Caso 2
Sra. P é uma mulher de 62 anos que chegou na emergência com sibilo, dispneia e voz esganiçada (“squeaky”). Refere estar a 3 dias dessa forma e que os sintomas são contínuos, tanto no repouso quanto em atividade física. Nega tosse, febre, dor no peito ou rinite.
Relata que há 6 anos esses sintomas ocorrem de forma intermitente, durando de horas a dias. Fez tratamento para asma com beta agonista de curta e longa duração associado com corticoide sistêmico por 1 ano, mas não houve melhora dos sintomas. Abandonou, por conta própria, esse tratamento e buscou no Yoga e meditação a “cura” para esse mal.
HPP: hipertensão e depressão. Em uso apenas de Enalapri. Nega qualquer alergia e não fuma.
No exame físico a paciente está febril (37,7°), 110 bpm e 33 irpm. Ausculta pulmonar com sibilos e intervalo respiratório diminuído. Pico de fluxo expiratório de 300 L/min (70% do esperado).

Ao contrário do caso anterior, temos bastante informação logo no início! Será então que conseguiríamos fechar o diagnóstico assim? Como vimos antes, se houver uma queixa de dispneia com sibilo devemos sempre suspeitar de asma, porém a paciente já havia usado esquema (etapa 5!) anti-asma e os sintomas não melhoravam.
Quem é malandro já percebeu que os diagnósticos diferenciais se repetem né? “Se não é asma, deve ser um dos outros...” Começaram pensando bem! Devemos avaliar alteração de cordas vocais e também pensar em doença do refluxo gastroesofágico, pois ambas podem causar sibilo, dispneia e voz esganiçada. Um diagnóstico que deve ser sempre lembrado é o angioedema pela sua alta letalidade. Bom, vamos às possibilidades?

·         Movimentos paradoxais das cordas vocais (MPCV) ou Estridor de Munchausen.
                É uma condição que gera episódios de desconforto respiratório acompanhado de sibilo e/ou estridor, além de alteração de voz. Tipicamente possui resposta pobre à terapia anti-asma. Durante período assintomático a função pulmonar encontra-se normal.
                Asma e MPCV são doenças clinicamente muito parecidas e por isso sempre andam de mãos dadas durante a investigação. Pelo fato da asma ser mais prevalente, todo o paciente com suspeita de MPCV deve ter o diagnóstico de asma excluído. Mas e aí, quando devemos pensar em MPCV?
·         Quando paciente não tiver história de exacerbação
·         Sem resposta à terapia para asma
·         Melhora dos sintomas ao dormir
·         Ausculta do pescoço com chiado
·         Voz marcante durante sintomatologia
O diagnóstico definitivo é feito pela laringoscopia ao mostrar as cordas vocais em adução formando uma fenda em formato de diamante.
Como a fisiopatologia da doença é inserta, seu tratamento engloba ações inespecíficas como meditação ou até intervenção psiquiátrica se, o paciente tiver algum transtorno de humor associado.

Dentre as suspeitas, MPCV é nossa hipótese líder. Mas ainda assim, será feito nebulização com Albuterol enquanto é solicitada a laringoscopia diagnóstica.
Pelo exame foram constatados os achados de MPCV. A paciente ficou internada por 2 dias para avaliar seus sintomas. Ao receber alta foi encaminhada a clínica geral para controle das comorbidades e foi enfatizada a importância do yoga e meditação.

Apesar do caso 2 ter terminado, vamos avaliar nossa outra suspeita diagnóstica e entender o porquê dela não ter sido valorizada.

·         Angioedema
Vou fazer de uma forma diferente... A seguir veremos os “pontos básicos” da doença e depois um esquema mostrando do diagnóstico clínico até a conduta.
O angioedema ocorre de forma aguda por edema de tecido conjuntivo, mais comum em face, gengiva, língua ou laringe. Apesar de existirem dois mecanismos de doença (por ação da histamina ou por ação da bradicinina), sua clínica é parecida. Com isso, devemos estar atentos aos fatores que a diferenciam como aos sinais alérgicos (pela histamina) e uma história de uso de fármacos que aumentem os níveis de bradicinina.
O diagnóstico é clínico, ou seja, pela anamnese (história de alergia e de uso de fármacos) e pelo exame físico (sinais de edema e, dependendo da fisiopatologia, sinais e sintomas de alergia). Em raros casos podemos ter deficiência do inibidor do fator C1 (sistema complemento) que também pode favorecer ao angioedema. Nesse caso devemos dosá-lo.  

è Caso 3
Sr. FMG de 50 anos chegou à emergência com febre (38°C), sibilo, desconforto no pescoço, perda de voz e dor para se alimentar. Refere que estes sintomas começaram há dois dias e que nunca havia sentido isso antes.

Os pontos mais importantes do caso são: quadro agudo levando a diminuição do diâmetro das vias aéreas associado com febre. Como vimos não é uma condição recorrente (fala menos a favor de asma), e pela evolução combinada com a febre, podemos supor que seja uma causa infecciosa. A partir disso, podemos supor em faringite ou até epiglotite e abscesso retrofaríngeo.

No exame físico paciente estava em regular estado geral e se mantendo em posição de tripé. Pulso de 110 bpm, PA 128/88 mmHg e 22 irpm. Exame da orofaringe mostrando hiperemia e edema tonsilar, sem exsudato. Difusa adenomegalia cervical e significativa sensibilidade em pescoço. Presença de estridor transmitido pelo pescoço. Exames pulmonar, cardíaco e de abdome normais.

E aí, galera? Dentre a faringite, epiglotite e abscesso retrofaríngeo, qual é o mais provável e quais ficam como segunda hipótese?

·         Epiglotite
Geralmente é associado com febre e dor de garganta. A gravidade da doença determina se haverá sibilo e/ou estridor. Sua incidência está bem diminuída pela introdução da vacina do Haemophilus influenzae B, portanto os vírus respiratórios passaram a serem os principais agentes etiológicos.
Por ser uma condição que pode, rapidamente, levar a obstrução da via aérea seu diagnóstico deve ser sempre lembrado em pacientes com estridor, sibilo, sialorreia, dor de garganta e alteração na voz. Inicialmente pode ser tão inespecífica ao ponto de ser confundida com faringite.
O diagnóstico padrão ouro é a visualização do edema em epiglote ou em estruturas supraglóticas. Deve ser feito pela laringoscopia e o examinador deve estar preparado caso haja necessidade de manter a via aérea pérvia do paciente, pois a presença de voz abafada, sialorreia e estridor, são sinais de obstrução iminente da via aérea.
O tratamento consiste em manter a via aérea pérvia e usar antibiótico que cubra o Haemophilus influenzae B, geralmente uma cefalosporina de segunda ou terceira geração.

Para quem estava atento deve ter percebido, que o Sr. FMG apresenta clínica iminente de obstrução de via aérea (alteração em voz, posição em tripé e estridor) e, portanto foi solicitado o laringoscópio para explorar orofaringe e se necessário colocar um tubo endotraqueal.
Mesmo assim, ainda não podemos excluir a hipótese de abscesso retrofaríngeo!
·         Abscesso retrofaríngeo
Comum tanto em crianças quanto em adultos. Apresenta uma clínica muito parecida com epiglotite. O que as diferencia é que no abscesso há uma história de infecção recente de via aérea superior ou trauma por ingestão de materiais (ex. : ossos) ou procedimentos cirúrgicos.
O diagnóstico é feito pela radiografia do pescoço quando evidencia espessamento dos tecidos retrofaríngeos. No entanto se o exame for negativo mas a clínica for muito sugestiva, TC deve ser solicitada.
Tratamento engloba abordagem cirúrgica para drenar o abscesso e o uso de antibiótico. Pelo fato da maioria desses casos serem por mais de um agente etiológico, é feito Clindamicina, pois seu espectro de ação cobre tanto gram positivos quanto anaeróbios.

Foi feita a laringoscopia que mostrou edema em epiglote. Por precaução foi colocado um tubo endotraqueal para manter sua via aérea pérvia e foi admitido na UTI. Para o tratamento foi prescrito cefalosporina de segunda geração. Foi realizada cultura de sangue e da epiglote, mas ambos deram negativo.

Como vimos nesse caso, o ponto mais importante não era determinar qual a doença que o paciente tinha. É determinar a gravidade em que ele se encontrava! Se a via aérea não fosse explorada precocemente, provavelmente o paciente iria evoluir com obstrução. Nesse caso seria necessário uma cricotireoidostomia para poder ventilar o paciente!

REFERÊNCIA: Symptom to Diagnosis an Evidence-Based Guide 2nd Edition 2010

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Até a próxima, galera!

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