domingo, 1 de março de 2015

Widgets

Investigando um paciente com dor torácica

Assim como o post sobre as “Principais causas de artralgia”, hoje vou colocar como seria uma investigação de um paciente com dor torácica mas, de uma forma diferente. Seguindo a ideia do livro Symptom to Diagnosis vou, durante o texto, relatar um caso clínico e introduzir os temas entre esse relato. Espero que dê certo... rsrs Boa leitura!

è CASO 1

Está você, médico recém formado, no plantão da UPA do Méier! O seu primeiro paciente, como médico, é o Sr. JPA de 56 anos. Queixa principal: “dor no peito”.

A primeira coisa que precisamos determinar, mesmo se fosse outra queixa, são os diagnósticos diferenciais e qual o mais provável. No caso de “dor no peito” a primeira coisa que deve ser perguntada é sobre o início da dor e se há piora ao inspirar. Essas respostas vão nos direcionar para um menor grupo de opções, visto que a quantidade é ENORME!

Relata início da dor ao fazer esforço e que também sente tontura e pressão retro esternal. Para alívio da dor, refere parar com a atividade e com 5 minutos a dor “some”. Refere ter sentido a mesma coisa em um episódio estressante no trabalho, acompanhado de náusea e dor na mandíbula. Paciente faz tratamento regular para hipertensão e diabetes.
Exame físico sem alterações. Foi coletado sangue, mostrando apenas hipercolesterolemia (180 mg/dL) e foi realizado um ECG que mostrou aumento da massa do ventrículo esquerdo.

Após esse relato, qual seria sua principal hipótese diagnóstica? Quais outras hipóteses entrariam na investigação e portanto, quais exames realizaríamos primeiro?

Pontos fundamentais até o momento foram: cronicidade, relacionado a estresse físico e emocional e localização retro esternal. São relatos que sugerem angina estável (AE). Com isso, avaliando sua idade e a presença de comorbidades a principal hipótese diagnóstica é Doença Arterial Coronariana (DAC). A outra hipótese é refluxo gastroesofágico (RGE). Foram excluídas as causas agudas de dor torácica como, por exemplo, pneumotórax, pericardite, pleurite ou dissecção de aorta.
·         Angina estável
É caracterizada como uma dor retro esternal e um desconforto torácico associados a exercício físico intenso. O repouso ou uso de nitroglicerina diminuem sua sintomatologia. Ou seja, é um sintoma originado de um desequilíbrio entre a oferta de oxigênio e nutrientes e a demanda do coração. Entendendo essa fisiopatologia, podemos supor que a AE pode ocorrer dependente ou não da precariedade dos vasos coronários como, por exemplo, em uma taquicardia ou por hipertrofia ventricular ou até por anemia. Por isso, não devemos associar sempre AE com DAC! É fundamental rever com o paciente, se houve palpitações, síncope, fraqueza, dispneia e outros sinais e sintomas que nos direcionem.
Apesar da ênfase dada no final do parágrafo anterior, a AE é muito comum em pacientes com DAC e portanto é fundamental avaliar os fatores de risco! Os principais são: (1) sexo masculino; (2) homens acima de 55 e mulheres acima de 65 anos; (3) tabagista; (4) diabetes; (5) hipertensão; (6) história familiar precoce de DAC; (7) dislipidemia. Paciente sendo suspeito deve ser feito o teste de esforço físico ou o químico ou a angiocoronariografia (padrão ouro) para definir o diagnóstico e estipular o tratamento da DAC.  
·         Refluxo Gastroesofágico (RGE)
Uma das principais queixas dos pacientes é “coração queimando” e, classicamente, apresenta disfagia e regurgitação. São sintomas que aparecem mais nos períodos noturnos e estão relacionados com alguns alimentos. É fundamental ser inserido em qualquer lista de diagnóstico diferencial para dor torácica pois sua incidência é bem alta. Assim como a AE, o RGE está relacionado a algumas doenças, como a esofagite, Síndrome de Boerhaave (vocês lembram o que é? Deixe nos comentários!), espasmo esofágico e a própria Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE).
Em estudos feitos foi mostrado que na maioria dos casos de dor torácica, apenas com a anamnese não conseguimos diferenciar entre AE e RGE. Até o uso de nitroglicerina como teste terapêutico, mesmo que dando positivo, não é específico para AE. Portanto, caso a suspeita seja alta devemos fazer um teste do pH esofágico (padrão ouro).

Foi solicitado teste de estresse físico, não mostrando sinais de sofrimento cardíaco. Foi solicitado uma angiocoronariografia mostrando uma estenose de 90 da artéria descendente anterior.

No diagnóstico de DAC apesar do padrão ouro ser a angiocoronariografia, é feito inicialmente o teste de estresse físico ou o químico (caso paciente seja incapacitado). Caso venha negativo e a suspeita de DAC seja grande, a angiocoronariografia pode ser usada. Lembrando que, esses exames além de diagnosticar eles determinam o tratamento!

O tratamento proposto foi, mudança do estilo de vida além de, controle dos fatores de risco (HAS e dislipidemia) e tratamento farmacológico da AE com nitrato (em caso de angina), BETA bloqueador e um antiagregante plaquetário. Angioplastia ou cirurgia de revascularização só seriam recomendadas se o resultado da angiocoronariografia evidenciasse um alto risco para a paciente.

è CASO 2

MSR, feminina, 68 anos, hipertensa, chegou no seu plantão com uma dor torácica de média intensidade (5/10) “que queima no meio do peito até as costas”. Relata estar há 6 horas com essa dor. Usou muitas doses de antiácidos, mas depois de 3 horas as dores continuaram. No decorrer da anamnese, MSR relatou que a dor intensificou (10/10) e agora está irradiando para as costas e braço esquerdo. Apresenta diaforese e dispneia. Dor não é pleurítica.

Primeira coisa que devemos fazer, para determinar os diagnósticos diferenciais, é caracterizar a dor da senhora MSR. É uma dor torácica aguda, severa e não pleurítica. Com isso conseguimos ver que o mais importante é o caráter abrupto da dor e com isso devemos sempre pensar em infarto agudo do miocárdio (IAM) ou Angina instável (AI) compondo o grupo da Síndrome coronariana aguda (SCA). Como é uma dor que irradia para as costas e a paciente é hipertensa, devemos pensar em dissecção aórtica e, apesar da dor não ser pleurítica, devemos pensar em embolia pulmonar. Apesar de não ser um risco de vida, pode ser também espasmo esofágico.

É uma paciente sedentária e fuma 1 maço por dia. Sinais vitais: temperatura de 37° C; PA 159/90 mmHg; pulso 100 bpm; FR 22 irpm; Exame físico: pescoço sem alteração nas veias e artérias; pulmão sem alterações; coração RCR 2T BNF com presença de sopro sistólico de ejeção (2+/6+); abdome sem alterações.

·         Infarto agudo do miocárdio (IAM)
          É um caso que entra na Síndrome Coronariana Aguda e que foi tema do post anterior, portanto só dar uma conferida clicando aqui! Acrescentando ao post antigo, segue tabela com os critérios que definem IAM (não precisa ter todos), retirada do livro Sympton to Diagnosis.

Além disso, há uma caracterização muito interessante nesse livro que determina um paciente que, geralmente tem o diagnóstico de IAM não determinado. Se for mulher com menos de 55 anos, não branca, principal queixa de dispneia e com ECG sem alterações, em 15% das vezes é um IAM e nós não fazemos o diagnóstico!!
Bom, voltando ao caso... Hora de fazer o diagnóstico, né?! Afinal, é uma suspeita de IAM e nós estamos perdendo muito tempo aqui...

Foi solicitado um ECG, que mostra um desnivelamento do segmento ST em D II, D III, AVL, e de V3 a V6.

Pronto, “matamos” o diagnóstico, certo? NÃO! Um erro muito comum, na verdade. Alteração no ECG só indica sofrimento cardíaco. Pode ser um IAM ou AI, por exemplo. Para afirmarmos ser um IAM, devemos ter o resultado das enzimas cardíacas.

·         Angina instável (AI)
Possui apresentação clínica idêntica ao IAM sem elevação do segmento ST. A única diferença é a elevação das enzimas cardíacas. O ponto alto da AI é sua diferenciação com a AE! Para melhor entender essa diferença é saber sua fisiopatologia. Primeiro, a AE ocorre por algum fator que diminui a luz de uma coronária, e com isso o aporte sanguíneo diminui, associando a um evento que exija maior atividade cardíaca (como um futebolzinho de fim de semana). Em outras palavras, é um fator estável (aterosclerose, trombo...). Já na AI esse fator que diminui a luz de uma coronária, é um vasoespasmo! Ou seja, é algo que não podemos controlar e por isso, independe da atividade que a pessoa esteja fazendo. Por isso a maior diferença clinica entre AI e AE é a dor surgir com o paciente em repouso! Alguém lembra o que é angina de Prinzmetal? Deixe um comentário!
O diagnóstico é basicamente clínico, devemos determinar que o paciente apresenta uma DCA, que a clínica fale a favor de AI e que não haja elevação das enzimas cardíacas. Após isso devemos avaliar o risco de morte-infarto desse paciente pelo Escore de risco TIMI, para depois avaliarmos a melhor terapêutica.

·         Dissecção aórtica
É o descolamento entre a camada íntima e a média, da artéria aórtica. A clínica pode variar significativamente dependendo do nível em que ocorrer esse descolamento. Classicamente é um paciente que vai apresentar uma pressão arterial assimétrica entre os membros superiores e uma dor torácica que irradia para as costas. Os fatores de risco mais relevantes são: HAS e aterosclerose. Também há uma relação com pacientes que apresentem aneurisma de aorta.
Diagnóstico padrão ouro é pela angiografia, mas geralmente é utilizado apenas para determinar o tratamento. Mais comumente são usados a TC e a ecografia transesofágica. Radiografia de tórax em 40% dos pacientes, não apresenta nenhum sinal! O tratamento é extremamente complexo, mas a base é o controle restrito da pressão arterial e monitorização contínua do tamanho do aneurisma. (Seu tamanho determina se a conduta é invasiva ou não).

Troponina da senhora MSR estava elevada, assim como a CK-MB. Determinando o diagnóstico de IAM sem supra de ST. Foi feito tratamento com “MONAB” e optou-se pelo cateterismo cardíaco. Foi determinado que a paciente tinha uma trombose da artéria circunflexa.

è CASO 3

Sr. FMG, 31 anos, chegou na emergência com dor torácica há 10 dias. Era branda, mas foi piorando até não aguentar e ter que ir ao hospital. Relata tosse e dificuldade para respirar. É uma dor localizada na base do hemitórax direito. Relata uma febre de 38°C. Nega qualquer comorbidade.  

Esse caso é de um adulto jovem previamente hígido, com um quadro agudo de dor torácica, tosse, dispneia e febre. Todos esses achados somados nos levam a pensar, inicialmente, em um quadro de pneumonia ou de um derrame pleural. Mesmo que menos frequente, devemos pensar em causas intra abdominais como abscesso subdiafragmático, em caso de dor pleurítica.

No decorrer da anamnese, Sr. FMG relatou piora da dor se fizer uma inspiração profunda ou se executar movimentos bruscos com tronco. Nega qualquer sintoma abdominal. No exame físico não apresenta alterações no pescoço, exame cardíaco e abdominal. No ap. respiratório apresenta MV diminuído, FTV aumentado e percussão maciça em base direita. Sem alteração no resto do exame.

·         Derrame pleural (DP)
É caracterizado por líquido na cavidade pleural. Pode ser por inúmeras causas. Seu diagnóstico é tranquilamente feito pelo exame físico (sensibilidade 96%; especificidade 95%), no entanto é necessário realizar uma radiografia ou USG de tórax para determinar a quantidade de acometimento pulmonar. Depois de determinado a existência do DP, devemos avaliar seu líquido para determinar o agente causal. O estudo do líquido deve avaliar, basicamente: LDH, proteína, albumina, pH, e contagem celular. Depois, pelos critérios de Light, diferenciamos transudato de exudato. Após determinar o líquido, devemos buscar os possíveis causadores. Sendo então fundamental a associação com a clínica do paciente e exames específicos para as principais hipóteses.
Tratamento geralmente é feito em cima da causa base do derrame pleural. Só iremos usar a drenagem de tórax se for uma efusão parapneumonica complicada, ou seja, (1) fluido purulento ou com resultado positivo para gram, (2) pH < 7,2; (3) LDH > 1000 unids/L; (4) glicose < 40mg/dL;

Foi feito estudo do DP, evidenciando um líquido turvo, glicose < 20mg/dL, LDH 38000 unids/L, proteína 4,4 g/dL, pH 6,6 e leucócitos 3200/mcl. Avaliação do gram positiva para coco gram positivo. No plasma LDH de 141 unids/L e proteína de 7,8 g/dL.

Após esse resultado foi determinado que paciente apresenta DP exudativo, e ainda pelos valores da glicose e LDH, é necessário realizar uma drenagem de tórax. Pelo fato do gram ser positivo, podemos caracterizar o líquido como empiema.

Foi realizada a drenagem de tórax e receitada uma cefalosporina de terceira geração. Após dois dias afebril e sem mais o dreno, foi prescrito antibiótico oral por 6 dias e recebeu alta.

Empiema é caracterizado como uma emergência médica e portanto fundamental o uso do dreno! O dano causado pela demora do tratamento específico pode levar a cicatriz pleural e restrição na expansibilidade torácica. O tratamento com cefalosporina de terceira geração foi uma conduta específica do autor do caso, nada impede de usarmos outra classe.

REFERÊNCIA: Symptom to Diagnosis an Evidence-Based Guide 2nd Edition 2010

Fiz um pouco diferente do habitual, mas espero que vocês tenham gostado! Como muitos de vocês sabem, estou aprendendo a mexer “nesse troço” aos poucos, e só descobri nesses dias como habilitar para as pessoas seguirem o blog! Por isso não perca tempo e receba no seu e-mail nossas atualizações!


Até a próxima, galera!   

Nenhum comentário :

Postar um comentário

E aí, vamos aos debates?